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domingo, 23 de outubro de 2011

FILOSOFIA E FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO


 
                                              
                O que é filosofia? Para que filosofar?
 
No mundo pragmático em que vivemos, a filosofia parece não servir para absolutamente nada. Ela não consta das rubricas orçamentárias, não tem dotação , não recebe verbas específicas... Mal consta dos currículos escolares e os filósofos são, em sua maioria, uns ilustres desempregados...
 
No entanto, ela serve, ou melhor, comanda tudo. Está presente em qualquer decisão séria que tomamos, em qualquer estratégia que implantamos. Pode-se dizer que ela é onipresente. Conforme Jaspers (1977. p.13) “a filosofia é imprescindível ao homem. Está sempre presente e manifesta nos provérbios tradicionais, em máximas filosóficas correntes, em condições dominantes, quais sejam, por exemplo, a linguagem e as crenças políticas”.
 
            É interessante notar que as grandes crises históricas foram férteis em pensamento filosófico. Após a grande crise européia conseqüente à invasão dos bárbaros, surgiram as grandes sínteses da Idade Média. A revolução copernicana que deu origem ao mundo moderno fez aparecerem as filosofias  racionalistas. À Segunda Guerra Mundial seguiu-se o existencialismo...Nosso mundo, nosso país estão certamente em crise. Estamos sentados sobre um vulcão que ameaça explodir. E já se esboçam linhas novas de concepção filosófica.
 
              Haverá uma relação necessária entre crise e filosofia? De certo. A crise produz o que os gregos denominavam “thaumásia”, ou seja, admiração, pasmo, espanto que eles apontavam como sendo a origem do pensar filosófico. Jaspers (ib) acrescenta que a consciência do que ele chama “situações-limite” – ter  de morrer, ter de sofrer, ter de lutar, estar sujeito ao acaso e incorrer inelutavelmente em culpa - também nos leva a filosofar. Não será porque esta consciência nos põe  também ela em crise, causando  espanto ou pasmo, a thaumásia dos gregos?
 
 Poderíamos, talvez, dizer que a crise gerando o espanto ou pasmo, torna-nos conscientes de nossa fragilidade física, intelectual, social ou moral, levando-nos a encarar a realidade como um problema na acepção que lhe dá Julián Marías (apud Saviani, l980. p.20) de situação dramática em que se está e não se pode mais continuar, exigindo, assim , uma solução. Ou seja, a crise, transformada em problema, desperta a reflexão ou “ato de retomar, reconsiderar os dados disponíveis, vasculhar numa busca constante de significado” (Saviani, 1980. p 23). Quando esta reflexão se torna, acrescenta Saviani (ib) radical, rigorosa e global ou de conjunto nasce a filosofia.
 
            Ao dizermos reflexão radical, devemos entender a expressão  em seu sentido literal: trata-se de uma reflexão que vá à raiz dos problemas, buscando atingir suas últimas e mais profunda ramificações. Quando dizemos que a reflexão deve ser rigorosa, entendemo-la como sistemática e metódica. A reflexão deve ser ainda global ou de conjunto, isto é, realizada de modo a abarcar todos os dados, de modo a não deixar escapar nenhum fio condutor no difícil trabalho de discernir no emaranhado das raízes as imbricações fundamentais.
 
            Resumindo, podemos com Saviani (1980. p.27) afirmar que “a filosofia é uma reflexão radical, rigorosa e de conjunto sobre os problemas que a realidade apresenta”.
 
 
Já se vê que a filosofia é, antes de mais nada, uma atitude e uma tarefa das quais resultam “filosofias” como produto. Atitude ou disposição de amor à verdade, que supõe, sobretudo, muita humildade e nenhuma arrogância de espírito, como afirma Jaspers (1977. p 14), ao explicar o significado, a um tempo etimológico e histórico,  do termo: “A palavra grega ‘philósophos’ foi formada em oposição a ‘sophós’ e significa “o que ama o saber”, em contraposição a ao possuidor de conhecimentos  (dono da verdade) que se designava por sábio. Este sentido da palavra manteve-se até hoje: é a demanda da verdade e não a sua posse que constitui a essência da filosofia...”
           
Das crises, portanto, surgem as filosofia como fruto da necessidade humana de compreender a realidade e de fundamentar a ação que visa a transformá-la.
 
 Será a filosofia algo de intermitente,  que apenas de vez em quando desponta ao longo da história? Não, pois a história é - e cada vez mais - uma longa e funda  crise na qual há, certamente, períodos mais dolorosos e enfáticos, mas que por sua contínua e surpreendente novidade  está sempre a nos chocar, suscitando-nos, em conseqüência, uma atitude constante de reflexão e de busca. A filosofia é, assim, onipresente, pois, se  ninguém escapa ao mundo e à história, ninguém, a não ser por demência, escapa  à crise: “Não se pode fugir à filosofia. Pode-se perguntar apenas se ela é consciente ou inconsciente, boa ou má, confusa ou clara. Quem recusa a filosofia está realizando um ato filosófico de que não tem consciência” (Jaspers, 1977. p.13).
           
A afirmação final de Jaspers não faz mais que atualizar o velho argumento aristotélico: “Ou se deve filosofar, ou não se deve filosofar. Se não se deve filosofar, isto só em nome de uma filosofia. Portanto, mesmo que não se deva filosofar, deve-se filosofar” (cf. Bochenski, 1973. p. 23).
           
“Me philosophetéon, philosophetéon”, declarava Aristóteles: mesmo que não se deva filosofar, deve-se filosofar. Não há  como fugir à filosofia. É verdade que nem todos têm condições de estabelecer uma reflexão que vá até as raízes, que siga com rigor um método, que possua todos os dados necessários a uma visão de conjunto da realidade, sobretudo se considerarmos que esses dados se avolumam e complexificam, à medida que avançam as ciências. Todos tentam, entretanto, consciente ou inconscientemente, com os recursos de que dispõem, com as informações que têm à mão, dar uma resposta aos problemas fundamentais, explicar as “situações-limite”, dar um sentido à vida e à realidade: todos, de algum modo, filosofam.
             
            Uma observação final  deve ser ainda  acrescentada: “Filosofar significa estar a caminho. As interrogações são mais importantes que as respostas e cada resposta se transforma em nova interrogação” (Jaspers, 1977. p 14). A filosofia é aberta, por mais que o filósofo pretenda dar respostas definitivas. A realidade é rebelde e não se deixa apanhar com facilidade em nossas redes de compreensão. É por demais complexa e dinâmica para que possamos emitir sobre ela uma palavra definitiva. Nem sempre – e isso ocorre com freqüência – consideramos todos os dados disponíveis ou  escolhemos as informações capazes de nos conduzirem à raiz mestra dos problemas ou das crises. Ou, então, quando parece que a atingimos, damo-nos conta de que ainda estamos na superfície e de que é necessário cavar mais fundo: “cada resposta se transforma em nova interrogação”. Não importa o esforço! É melhor seguir que estagnar. Além disso, não caminhamos sozinhos. O que não descobrimos, outros descobrem ou descobrirão e nossas chamas juntas tornarão o mundo, se não transparente, pelo menos mais claro!
 
            A filosofia é, pois, imprescindível. Não serve para nada e serve para tudo. Não há como negá-la: ela se impõe por si mesma!  Refugá-la, só deixando de ser o que somos: consciências que refletem num mundo em permanente crise, num constante devir.
 
  
Referências bibliográficas          
 
BOCHENSKI, J. M. Diretrizes do pensamento filosófico. São Paulo: EPU, 1973. 119 p.
JASPERS, Karl. Iniciação filosófica. Lisboa: Guimarães, 1977. 173 p.
SAVIANI, Dermeval. Educação; do senso comum  à  consciência filosófica. São Paulo: Cortez, 1980. 224 p.
KNELLER, Georges. Introdução à filosofia da educação. 4.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1972. 167 p.
 

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