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segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Didática

: A DIDÁTICA E A FORMAÇÃO DE EDUCADORES


Vera Maria Candau*

Todo processo de formação de educadores - especialistas e professores - inclui necessariamente componentes curriculares orientados para o tratamento sistemático do "que fazer"educativo, da prática pedagógica. Entre estes, a didática ocupa um lugar de destaque.

No entanto, a análise do papel da didática na formação de educadores tem suscitado uma discussão intensa. Exaltada ou negada, a didática, como reflexão sistemática e busca de alternativas para os problemas da prática pedagógica, está, certamente, no momento atual, colocada em questão.

De uma posição tranqüila, em que se dava por suposta a afirmação da importância da didática, seu papel passou a ser fortemente contestado. As principais acusações são de que seu conhecimento, quando não é inócuo, é prejudicial.

A acusação de inocuidade vem geralmente da parte de professores dos graus mais elevados de ensino, onde sempre vingou a suposição de que o domínio do conteúdo seria o bastante para fazer um bom professor (e talvez seja, na medida em que esses graus ainda se destinem a uma elite). A acusação de prejudicial vem de análises mais críticas das funções da educação, em que se responsabiliza a Didática pela alienação dos professores em relação ao significado de seu trabalho. (Salgado, 1982, p. 16)

No entanto, esta problemática só pode ser adequadamente compreendida ser for historicizada. Ela se dá num contexto concreto, em que o ensino de didática se foi configurando segundo umas características específicas que têm de ser analisadas em função do contexto educacional e político-social em que se situam.


É nesta perspectiva que tenta se colocar o presente trabalho, que pretende oferecer subsídios para o aprofundamento da compreensão da polêmica atual sobre o papel da didática na formação dos educadores e sugerir algumas pistas para a sua superação.

1.Um ponto de partida
A Multidimensionalidade do processo de ensino --- Aprendizagem

O objeto de estudo da didática é o processo de ensino-aprendizagem. Toda proposta didática está impregnada, implícita ou explicitamente, de uma concepção do processo de ensino-aprendizagem.

Parto da informação da multidimensionalidade deste processo: O que pretendo dizer? Que o processo de ensino-aprendizagem, para ser adequadamente compreendido, precisa ser analisado de tal modo que articule consistentemente as dimensões humana, técnica e político-social.

Ensino-aprendizagem é um processo em que está sempre presente, de forma direta ou indireta, o relacionamento humano.

Para a abordagem humanista é a relação interpessoal o centro do processo. Esta abordagem leva a uma perspectiva eminentemente subjetiva, individualista e efetiva do processo de ensino-aprendizagem. Para esta perspectiva, mais do que um problema de técnica, a didática deve se centrar no processo de aquisição de atitudes tais como: calor, empatia, consideração positiva incondicional. A didática é então "privatizada". O crescimento pessoal, interpessoal e intragrupal é desvinculado das condições sócio-econômicas e políticas em que se dá; sua dimensão estrutural é, pelo menos, colocada entre parênteses.

Se a abordagem humanista é unilateral e reducionista, fazendo da dimensão humana o único centro configurador do processo de ensino-aprendizagem, no entanto, ela explicita a importância dessa dimensão. Certamente o componente afetivo está presente no processo de ensino-aprendizagem. Ele perpassa e impregna toda sua dinâmica e não pode ser ignorado.

Quanto à dimensão técnica, ela se refere ao processo de ensino-aprendizagem como ação intencional, sistemática, que procura organizar as condições que melhor propiciem a aprendizagem. Aspectos como objetivos instrucionais, seleção do conteúdo, estratégias de ensino, avaliação etc., constituem o seu núcleo de preocupações. Trata-se do aspecto considerado objetivo e racional do processo de ensino-aprendizagem.

No entanto, quando esta dimensão é dissociada das demais, tem-se o tecnicismo. A dimensão técnica é privilegiada, analisada de forma dissociada de suas raízes político-sociais e ideológicas, e vista como algo "neutro" e meramente instrumental. A questão do "fazer" da prática pedagógica é dissociada das perguntas sobre o "por que fazer" e o "para que fazer" e analisada de forma, muitas vezes, abstrata e não contextualizada.

Se o tecnicismo parte de uma visão unilateral do processo ensino-aprendizagem, que é configurado a partir exclusivamente da dimensão técnica, no entanto esta é sem dúvida um aspecto que não pode ser ignorado ou negado para uma adequada compreensão e mobilização do processo de ensino-aprendizagem. O domínio do conteúdo e a aquisição de habilidades básicas, assim como a busca de estratégias que viabilizem esta aprendizagem em cada situação concreta de ensino, constituem problemas fundamentais para toda proposta pedagógica. No entanto, a análise desta problemática somente adquire significado pleno quando é contextualizada e as variáveis processuais tratadas em íntima interação com as variáveis contextuais.

Se todo o processo de ensino-aprendizagem é "situado", a dimensão político-social lhe é inerente. Ele acontece sempre numa cultura específica, trata com pessoas concretas que têm uma posição de classe definida na organização social em que vivem. Os condicionamentos que advêm desse fato incidem sobre processo de ensino-aprendizagem. A dimensão político-social não é um aspecto do processo de ensino-aprendizagem. Ela impregna toda a prática pedagógica que, querendo ou não (não se trata de uma decisão voluntarista), possui em si uma dimensão político-social.

No entanto, a afirmação da dimensão política da educação em geral, e da prática pedagógica em especial, tem sido acompanhada entre nós, não somente da crítica ao reducionismo humanista ou tecnicista, frutos em última análise de uma visão liberal e modernizadora da educação, mas tem chegado mesmo à negação dessas dimensões do processo de ensino-aprendizagem.

De fato, o difícil é superar uma visão reducionista, dissociada ou justaposta da relação entre as diferentes dimensões, e partir para uma perspectiva em que a articulação entre elas é o centro configurador da concepção do processo de ensino-aprendizagem. Nesta perspectiva de uma multidimensionalidade que articula organicamente as diferentes dimensões do processo de ensino-aprendizagem é que propomos que a didática se situe.

2. Ensinando Didática

Não pretendo fazer a história da didática ou do ensino de didática no Brasil. Considero que esta é uma tarefa importante e urgente. O que pretendo é partir da minha experiência pessoal como professora de didática desde 1963, e situar esta experiência na evolução político-social e educacional do país. Procurarei realizar uma análise crítica da evolução do ensino de didática da década de 60 até hoje.

2.1. 1º MOMENTO:
A AFIRMAÇÃO DO TÉCNICO E O SILENCIAR DO POLÍTICO: O PRESSUPOSTO DA NEUTRALIDADE

Cursei a Licenciatura em Pedagogia na PUC/RJ de 1959 a 1962 e, no ano seguinte, comecei a lecionar Didática nesta mesma Universidade. O núcleo inspirador dos meus primeiros anos de professora de Didática foi certamente minha própria experiência como aluna de Didática. Qual a temática privilegiada? Sem dúvida era a crítica à chamada didática tradicional e a afirmação da perspectiva escolanovista. Ao mesmo tempo, o Colégio de Aplicação da PUC/RJ promovia uma experiência de educação personalizada em que se enfatizava a associação entre Montessori e Lubienska e a utilização de técnicas inspiradas no Plano Dalton. Esta escola oferecia campo privilegiado de estágio para os licenciandos que observavam os princípios básicos da Escola Nova.

Nos últimos anos da década de 50 e nos primeiros da de 60, o país passa por um período de grande efervescência político-social e educacional. O debate em torno da Lei de Diretrizes e Bases mobiliza a área educacional. Se enfrentam diferentes posições mas a matriz liberal predomina.

Neste contexto, a didática faz o discurso escolanovista. O problema está em superar a escola tradicional, em reformar internamente a escola. Afirma-se a necessidade de partir dos interesses espontâneos e naturais da criança; os princípios de atividade, de individualização, de liberdade, estão na base de toda proposta didática; parte-se da importância da psicologia evolutiva e da aprendizagem como fundamento da didática: trata-se de uma didática de base psicológica; afirma-se a necessidade de "aprender fazendo" e de "aprender a aprender"; enfatiza-se a atenção às diferenças individuais; estudam-se métodos e técnicas como: "centros de interesse", estudo dirigido, unidades didáticas, método de projetos, a técnica de fichas didáticas, o contrato de ensino etc.; promovem-se visitas às "escolas experimentais", seja no âmbito do ensino estatal ou privado.

Soares (81), referindo-se aos primeiros anos da década de 50, identifica este mesmo predomínio da perspectiva escolanovista no ensino de Didática:

A proposta da Escola Nova - ideológica, que era, como toda e qualquer proposta pedagógica - apresentava-se a mim, e a quase todos os educadores, àquela época, como um conjunto lógico e coerente de idéias e valores, capaz não só de explicar a prática pedagógica como também, e sobretudo, de regulá-la, fornecendo regras e normas para que ela se desenvolvesse de forma 'científica' e 'justa'. De um lado, a teoria sociológica de Durkheim fundamentava a concepção de educação como socialização do indivíduo, de outro lado, a psicologia experimental conferia racionalidade e objetividade à prática pedagógica. (p. 31- 32)

O livro-texto mais amplamente adotado neste período é o Sumário de Didática Geral (57) de Luiz Alves de Mattos. Este livro foi apontado em pesquisa realizada em 1978 entre os professores de Didática de Belo Horizonte, entre as 13 publicações mais representativas do conteúdo da didática (Oliveira, 80). Segundo Soares (81), uma análise de conteúdo ideológico deste texto "desvendaria a ideologia liberal-pragmatista, os princípios da Escola Nova e o mito da neutralidade dos métodos e técnicas de ensino que informam, sem que sejam explicitados, a Didática proposta pelo autor" (p. 34).

Segundo Saviani (80) o movimento escolanovista se baseia na tendência do "humanismo moderno" e esta predominou na educação brasileira de 1945 a 1960 e o período 1960 a 1968 se caracteriza pela crise desta tendência e pela articulação da tendência tecnicista

Nesta etapa, o ensino da didática assume certamente uma perspectiva idealista e centrada na dimensão técnica do processo de ensino-aprendizagem. É idealista porque a análise da prática pedagógica concreta da maioria das escolas não é objeto de reflexão. Considerada "tradicional", ela é justificada pela "ignorância" dos professores que, uma vez conhecedores dos princípios e técnicas escolanovistas, a transformariam. Para reforçar esta tese, experiências pedagógicas que representam exceções dentro do sistema e que, mesmo quando realizadas no sistema oficial de ensino, se dão em circunstâncias excepcionais, são observadas e analisadas. Os condicionamentos sócio-econômicos e estruturais da educação não são levados em consideração. A prática pedagógica depende exclusivamente da " vontade" e do "conhecimento" dos professores que, uma vez dominando os métodos e técnicas desenvolvidos pelas diferentes experiências escolanovistas, poderão aplica-los às diferentes realidades em que se encontram. A base científica desta perspectiva se apóia fundamentalmente na psicologia.

No período de 1966 a 1969 me ausentei do país para realizar um curso de pós-graduação no exterior. Ao propor-me elaborar um trabalho sobre tema de atualidade na área da didática, o assunto escolhido não poderia ser outro: Ensino programado.

Desde o início dos anos 60 o desenvolvimento da Tecnologia Educacional e, concretamente, do Ensino Programado, vinha exercendo forte impacto na área da Didática. De uma concepção da tecnologia educacional que enfatiza os meios, conceito centrado no meio, e, conseqüentemente, os recursos tecnológicos, se passava a uma visão da tecnologia educacional como processo. De fato esta concepção partia da conjugação da psicologia behaviorista, da teoria da comunicação e do enfoque sistêmico e se propunha desenvolver uma forma sistemática de planejar o processo de ensino-aprendizagem, baseando-se em conhecimentos científicos e visando a sua produtividade, isto é, o alcance dos objetivos propostos de forma eficiente e eficaz.

Volto ao Brasil em 1969. Instalada a revolução de 1964 e passado o período de transição pós-64, é retomada a expansão econômica e o desenvolvimento industrial. O modelo político reforça o controle, a repressão e o autoritarismo. A educação é vinculada à Segurança Nacional. Enfatiza-se seu papel de fato de desenvolvimento e são propostas medidas para adequá-la ao novo modelo econômico.

E a Didática? Assim como no momento anterior as palavras força eram: atividade, individualidade, liberdade, experimentação, agora se enfatiza a produtividade, eficiência, racionalização, operacionalização e controle. A visão "industrial" penetra o campo educacional, e a Didática é concebida como estratégia para o alcance dos "produtos" previstos para o processo de ensino-aprendizagem. Agora, mais do que confrontar a Didática tradicional e a Didática renovada, o centro nuclear do curso é o confronto entre o enfoque sistêmico e o não-sistêmico da Didática. Se um enfatiza objetivos gerais, formulados de forma vaga, o outro enfatiza objetivos específicos e operacionais. Se um enfatiza o processo, o outro o produto. Se um parte de um enfoque da avaliação baseada na "norma", o outro enfatiza a avaliação baseada em "critérios. Se no primeiro o tempo é fixo, o segundo tende a trabalhar a variável tempo. Se um enfatiza a utilização dos mesmos procedimentos e materiais por todos os alunos, o outro faz variar os procedimentos e materiais segundo os indivíduos. E assim por diante...

Nesta perspectiva, a formulação dos objetivos instrucionais, as diferentes taxionomias, a construção dos instrumentos de avaliação, as diferentes técnicas e recursos didáticos, constituem o conteúdo básico dos cursos de Didática. Modelos sistêmicos são estudados, habilidades de ensino são treinadas e são analisadas metodologias tais como: ensino programado, plano Keller, aprendizagem para o domínio, módulos de ensino etc.

Entre as publicações indicadas pela pesquisa de Oliveira (80) como mais representativas do conteúdo atual da Didática segundo os professores de Didática de Belo Horizonte, o predomínio da tecnologia Educacional é, sem dúvida, evidente.

Neste enfoque a acentuação da dimensão técnica do processo de ensino-aprendizagem é ainda mais enfatizada do que na abordagem escolanovista. Nesta, pelo menos em algumas de suas expressões, a dimensão humana é salientada e a relação professor-aluno é repensada em bases igualitárias e mais próximas, do ponto de vista afetivo.

Na perspectiva da tecnologia educacional a Didática se centra na organização das condições, no planejamento do ambiente, na elaboração dos materiais instrucionais. A objetividade e racionalidade do processo são enfatizadas.

Mas, se estas duas abordagens se diferenciam, elas partem de um pressuposto comum: "o silenciar da dimensão política". E este silêncio se assenta na afirmação da neutralidade do técnico, isto é, na preocupação com os meios desvinculado-os dos fins a que servem, do contexto em que foram gerados. Significa ver a prática pedagógica exclusivamente em função das variáveis internas do processo de ensino-aprendizagem, sem articulação com o contexto social em que esta prática se dá. Neste sentido, a Didática não tem como ponto de referência os problemas reais da prática pedagógica quotidiana, aqueles que enfrentam os professores de 1º e 2º graus, tais como: precárias condições econômicas das escolas e dos alunos, classes superlotadas, taxas significativas de evasão e repetência, conteúdos inadequados, condições de trabalho aviltantes, etc. Como a Didática não fornece elementos significativos para análise da prática pedagógica real e o que ela propõe não tem nada que ver com a experiência do professor, este tende a considerá-la um ritual vazio que, quando muito, pertence ao mundo dos "sonhos", das idealizações que não contribuem senão para reforçar uma atitude de negação da prática real que não oferece as condições que tornariam possível a perspectiva didática proposta. A desvinculação entre a teoria e a prática pedagógica reforça o formalismo didático: os planos são elaborados segundo as normas previstas pelos cânones didáticos; quando muito o discurso dos professores é afetado, mas a prática pedagógica permanece intocada.

2.2. 2º MOMENTO:
A afirmação do político e a negação do técnico: a contestação da didática

Principalmente a partir da metade da década de 70, a crítica às perspectivas anteriormente assinaladas se acentuou. Esta crítica teve um aspecto fortemente positivo: a denúncia da falsa neutralidade do técnico e o desvelamento dos reais compromissos político-sociais das afirmações aparentemente "neutras", a afirmação da impossibilidade de uma prática pedagógica que não seja social e politicamente orientada, de uma forma implícita ou explícita. Mas, junto com esta postura de denúncia e de explicitação do compromisso com o "status quo" do técnico aparentemente neutro, alguns autores chegaram à negação da própria dimensão técnica da prática docente.

"Há uma suposição firmada entre os críticos do 'saber fazer' de que a dimensão de eficácia do trabalho pedagógico é, definitivamente, uma invenção do pragmatismo pedagógico. Dessa forma todas as técnicas e meios pedagógicos são produtos da burocracia e instrumentos do poder dominador exercido pelo professor. (...) Há um consenso tácito de que as noções de 'eficácia', racionalidade, organização, 'instrumentalização', 'disciplina', estão indissoluvelmente ligadas ao modelo burocrático capitalista e, onde existem, são restritoras dos processos de democratização da escola e da sociedade. (...)
A critiquice antitécnica é própria do democratismo e responde em boa dose pela diminuição da competência técnica do educador escolar. A ênfase no saber ser, sem dúvida fundamental para se definir uma postura crítica do educador frente ao conhecimento e aos instrumentos de ação, não pode dissolver as outras duas dimensões da prática docente, o saber e o saber fazer, pois a incompetência no domínio do conteúdo e no uso de recursos de trabalho compromete a imagem do professor-educador. Tornar nossa prática ineficiente põe em risco os próprios fins políticos dessa prática".
(Libâneo, 82, p. 42-43)

Essa tendência reduz a função da Didática à crítica da produção atual, geralmente inspirada nas perspectivas anteriormente mencionadas.

A afirmação da dimensão política da prática pedagógica é então acompanhada da negação da dimensão técnica. Esta é vista como necessariamente vinculada a uma perspectiva tecnicista. Mais uma vez as diferentes dimensões do processo de ensino-aprendizagem são contrapostas, a afirmação de uma levando à negação das demais. Afirmar a dimensão política e,conseqüentemente, estrutural da educação,supõe a negação do seu caráter pessoal. Competência técnica e política se contrapõem. Neste momento, mais do que uma didática, o que se postula é uma antididática.

3. DE UMA DIDÁTICA INSTRUMENTAL A UMA DIDÁTICA FUNDAMENTAL

No momento atual, segundo Salgado (82), ao professor de Didática se apresentam duas alternativas: a receita ou a denúncia. Isto é, ou ele transmite informações técnicas desvinculadas dos seus próprios fins e do contexto concreto em que foram geradas, como um elenco de procedimentos pressupostamente neutros e universais, ou critica esta perspectiva, denuncia seu compromisso ideológico e nega a Didática como necessariamente vinculada a uma visão tecnicista da educação.

Certamente, na maior parte das vezes, o ensino de Didática está informado por uma perspectiva meramente instrumental.

Este enfoque limitado reflete-se nos livros sobre o assunto que são, em geral, pobres, restringindo-se ao enunciado de "receitas", com uma fundamentação teórica insuficiente e inconsciente.
(Alvite, 81, p.52)

Mas a crítica à visão exclusivamente instrumental da Didática não pode se reduzir à sua negação. Competência técnica e competência política não são aspectos contrapostos. A prática pedagógica, exatamente por ser política, exige a competência técnica. As dimensões política, técnica e humana da prática pedagógica se exigem reciprocamente. Mas esta mútua implicação não se dá automática e espontaneamente. É necessário que seja conscientemente trabalhada. Daí a necessidade de uma didática fundamental.

A perspectiva fundamental da Didática assume a multidimensionalidade do processo de ensino-aprendizagem e coloca a articulação das três dimensões, técnica, humana e política, no centro configurador de sua temática.

Procura partir da análise da prática pedagógica concreta e seus determinantes.

Contextualiza a prática pedagógica e procura repensar as dimensões técnica e humana, sempre "situando-as".

Analisa as diferentes metodologias explicitando seus pressupostos, o contexto em que foram geradas, as visões de homem, de sociedade, de conhecimento e de educação que veiculam.

Elabora a reflexão didática a partir da análise e reflexão sobre experiências concretas, procurando trabalhar continuamente a relação teoria-prática.

Nesta perspectiva, a reflexão didática parte do compromisso com a transformação social, com a busca de práticas pedagógicas que tornem o ensino de fato eficiente (não se deve ter medo da palavra) para a maioria da população. Ensaia. Analisa. Experimenta. Rompe com a prática profissional individualista. Promove o trabalho em comum de professores e especialistas. Busca as formas de aumentar a permanência das crianças na escola. Discute a questão do currículo em sua interação com uma população concreta e suas exigências, etc.

Este é, a meu ver, o desafio do momento: a superação de uma Didática exclusivamente instrumental e a construção de uma Didática fundamental.


Referências

ALVITE, M. M. C. Didática e psicologia: crítica do psicologismo na educação. São Paulo: Loyola, 1981.

LIBÂNEO, J. C. Saber, saber ser, saber fazer, o conteúdo do fazer pedagógico. Revista da ANDE, ano 1, n. 4, 1982.

MATTOS, L. A. de. Sumário de Didática Geral. Rio de Janeiro: Aurora, 1957.

OLIVEIRA, M. R. N. S. O conteúdo atual da Didática: um discurso da neutralidade. Tese de Mestrado em Educação. UFMG, 1980.

SALGADO, M. U. C. O papel da didática na formação do professor. Revista da ANDE, ano 1, n. 4, 1982.

SAVIANI, D. Correntes e tendências da educação brasileira. In: TRIGUEIRO, D. Filosofia da Educação Brasileira. INEP, 1980.

SOARES, M. Travessia - Memorial apresentado à Faculdade de Educação da UFMG como parte dos requisitos para a Inscrição e Concurso de Professor Titular. Belo Horizonte, 1981.

Fonte

CANDAU, Vera Maria (org.). A Didática em Questão. Petrópolis: Vozes, 1983. Disponiblizado inicialmente na Biblioteca do SIAPE - Sistema de Ação Pedagógica


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